Quando tinha um ano e um mês de idade, passei por uma experiência um
tanto traumática para minha família e que hoje sempre me rende algumas boas
risadas. Minha mãe tinha trocado minhas fraldas de pano (sim, trinta anos atrás
fralda descartáveis eram artigo de luxo) e eu fiz algum tipo de birra pois não
queria parar de brincar. Ela foi levar as fraldas para o tanque de roupa suja e
quando voltou o fato já havia ocorrido.
Arrastei um móvel de lugar, peguei um fio de extensão que
estava plugado na tomada, coloquei na boca e levei um choque de 110 volts. A
ponta da minha língua torrou e ficou pendurada por um pedacinho. Minha mãe
pediu para eu abrir a boca e esse pedaço caiu na mão dela. Corremos para o
hospital, com a ponta da língua torrada junto, com a esperança dela ser reconstituída.
O cirurgião que nos atendeu disse que poderia até recolocá-la, mas assim que eu
acordasse da anestesia, não poderia mexer a língua, caso contrário ela cairia.
Alguém já viu uma criança de um ano de idade não movimentar
a língua? Impossível! Então cauterizaram minha língua e fiquei serelepe pelo
hospital mostrando para todo mundo o meu feito. Então vieram os comentários da
família! Minha avó dizia e me tratava como uma aleijada, deficiente física, coitadinha
de mim, nunca iria falar! Tios e tias estavam preocupados que nunca arranjaria
um namorado/noivo/marido. Talvez meus irmãos gêmeos nem nascessem, minha mãe
estava grávida deles e com tamanho o susto quase abortou. Tá bom que é exagero
da minha parte, mas era o que todos pensavam que ia acontecer e ela nem sabia ainda
que eram gêmeos.
Bom e eu fui crescendo, me aproveitando um pouco do fato de
não ter a ponta da língua para ganhar algumas regalias da minha avó.
Minha mãe, hoje minha heroína, não deixou eu falar uma palavra errada quando
comecei a falar, o que faz com que eu fale pelos cotovelos hoje em dia. Tá
certo que o inglês ainda é um pouco difícil, afinal aquele som de “TH”, o “t”
soprado sai com umas cuspidas e faz com que me estresse um pouco, pois queria
conseguir falar sem sotaque. Mas não dá, é muito difícil pra mim e para sair
direitinho tenho que falar igual a uma lesma retardada.
Na adolescência vieram algumas vergonhas e estratégias. Fazer
bola de chiclete sempre foi um horror. Ela saía, e ainda sai, deformada, com um
risco no meio e maior do lado esquerdo. Então aprendi a virar a língua e fazer
bola de chiclete com a língua de lado. Funcionou e continuei a fazer assim. E confesso
que para dar meu primeiro beijo, demorou muito para ter certeza de que o guri
não sairia correndo quando descobrisse minha aberração. Mas passou, deu tudo
certo e ele não saiu correndo. Nem o primeiro nem os outros.
E o querido, agora nomeado, bulling? Minha pequena
deficiência física virou referência pessoal para família, amigos e amigo de amigos.
“Essa é minha amiga Ana, aquela que perdeu a ponta da língua”
e depois disso, para abreviar, virei a “Ana, aquela sem língua”.
Depois disso vem a célebre frase:
“Sério? Deixa eu ver? Mas nem dá
para perceber...”
Em seguida vem o F.A.Q.:
Tu não tem a língua mesmo?
Tenho língua, só perdi a ponta dela.
Mas como tu fala tudo normal assim?
Minha mãe não deixou eu falar errado.
E tu sente o gosto de todas as coisas?
Eu acho que sim, não me lembro de sentir gostos de forma diferente.
Mas aquele desenho das aulas de biologia sobre as sensações de gostos nas
regiões da língua, não me representam.
Tá e para beijar e na hora H, é tudo normal?
Não é pra mim que tu tem que perguntar isso, pra mim é tudo normal.
Vivo uma vida normal, as vezes um pouco elétrica, falando sem parar. Culpa do choque!
PS: Adoro contar essa história para os meus alunos, eles nunca mais colocam os dedos perto da tomada!
PS: Adoro contar essa história para os meus alunos, eles nunca mais colocam os dedos perto da tomada!
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